diálogo I

pai
é certo dizer
que a mãe ao morrer
tornou-se uma estrela

sim oh pequena
tens toda razão
se em teu coração
assim suscitar

mas pai
tenho medo
se conto um segredo
não vais me zombar

não zombo nem nada
me conte apressada
com a alma apertada
o que queres contar

o que digo ao irmão sem mãe
é que ele pergunta
e eu logo em desculpas
me ponho a escapar

pois não diga outra coisa
que não a mais bela
e ele na certa
não vai duvidar

mas zango comigo mesma
se sempre ilesa
tento disfarçar ao dizer
a mãe agora é uma estrela irmão

não fique mexida
a vida é sofrida
mas logo ele vira
num canto a dormir

pois bem pai
mas e em noites escuras
quando o sono recua
o que devo a ele contar

talvez sem alarde
que a mãe
até tarde
não pôde brilhar

oh pai
tenha dó
o irmão menor
bem vai duvidar

não mesmo menina
se tu acreditas
tão maior e sabida
ele há de acatar

então tenho um plano
se pouco me engano
o irmão sem acanho
não vai dubitar

e o que é que pensas
em tuas angústias
quais são as desculpas
que vais inventar

pai vou dizer
que toda gente
ao morrer
vai junto pra lá

mas dito isso mocinha
valha-me deus
com que sorte ele a morte
não vai desejar

pai tenho esperança
que nenhuma criança
a morte alcança
mesmo se a ela muito almejar

pois que faças o que dizes
mas não o repreenda
se ele a contenda
não a escutar

pois bem o farei
àquele miúdo
a morte da mãe
tentarei explicar

mas filha
por que a pergunta
se és tão astuta
e já decidida a falar

é que pai ando inconformada
a morte muito burra e equivocada
jamais deveria
as mães levar

ah miúda
bem sei e não minto
a saudade que sinto
não vai acabar

pai é certo dizer
que a mãe
mesmo ao morrer
não vai nos faltar

menina do céu
como é que sabes tanto
se nem muito tanto
ainda viveu

deve ser a tristeza oh pai
como a mãe muito disse
quando se é triste
é por muito saber

mas filha querida
será então retorcida
a minha vontade
de vê-la feliz

não sei sobre isso
mas pai me perdoe
ainda que doa
prefiro saber

se ajeite menina
e durma tranquila
amanhã em calma
tu explicas tudo ao irmão

pai eu confesso
coragem não meço
mas a essas palavras
prefiro o silêncio