guarde os tamancos menina
e vá logo se deitar e durma
que amanhã bem cedinho
vamos à feira tentar os restos
durma depressa e logo
que os barulhos da barriga
esquecem-se de ser
e vão ao sono também
depois das pessoas todas
levarem para si os excessos
ficaremos nós com o essencial
o suficiente
e depois dos homens desmiolados
gritarem os preços que não podemos pagar
sopraremos as moscas e levaremos
poucas coisas para as barrigas fundas
somos só duas e só isso dá
os verdes e os enegrecidos
raspamos e largamos no caminho
e o resto do resto fica entre nós
um dia aprenderá que tudo na vida é assim
as pessoas levam sempre os excessos
e tudo do pouco que sobra ainda é tudo
o essencial é do que precisamos e mais nada
e bem sabe que dia de aula é dia de aula
vá e aprenda as palavras bonitas
e os números e os animais
e não se dê ao desfrute que já sabe o que te acontece
seja boa e seja melhor que a mãe
que essas coisas emporcalhadas não são para ti
os lixos e os bichos da casa
não são coisas para meninas boas assim
e ela fingia um sono para que a mãe adormecesse
levantava-se sorrateira e se ajoelhava
morna ao pé da mãe desabada
e pensava que de todos os restos só a mãe lhe era inteira
tinha mesmo razão aquela velha senhora dormida
a vida levara da menina todos os excessos
e tudo do pouco que lhe sobrara ainda era tudo
a vida fez sobrar a melhor mãe de todas
era apoucada de idade
mas vivera tempo suficiente para saber
que não havia como ser melhor que a mãe
que essa coisa de ser mais era excesso
e o essencial era só saber
das coisas da escola das coisas da vida
e do amor da mãe
pois o essencial é do que precisamos e mais nada
cobriu a mãe
soprou as velas
sonhou
era feliz