o corpo desnivelado
afundado numa cadeira estúpida
a esperar paciencioso
pela chegada das coisas de dizer
um vento muito alto
que desarranja as cortinas
decora as janelas secas
com as poeiras das ruas
alguns barulhos surdos
das folhas dos bichos
e das pessoas guardadas nas casas
destemperam a calma uniforme das noites pálidas
há pouco a se fazer nessa vida que demora
e as fotos que descansam nas caixas de sapato
são ressuscitadas para ornamentarem salas
imagens dependuradas para lembrar que houve alguém
as almas que despencam dos corpos ao chão
abandonam-nos parados e tímidos
depreciados pelos amores que partiram
para o longe dos olhos e dos corações
os escuros densos dos quartos
tornam insuportáveis os corpos
que desenfeitados
despertam arruinados pelas manhãs
e a vida demora mulher
e o tempo demora
e você demora também
mas passa
pés gelados e mãos desfalecidas
e o corpo abotoado feito um blazer de lã
a esperar paciencioso
pela chegada das coisas de sentir
e há pouco a se fazer nessas horas
onde as pessoas lixadas pela vida
dizem-se polidas
porém com custo somente se suportam
a solidão da sala do quarto da casa
é muito que tenho do pouco que resta
e na infinita espera por todas as coisas do mundo
só não espero nada de você
há pouco a se fazer nessas horas mulher
uma tralha reformada ou outra coisa
que faz passar o tempo com muita demora
para que eu lembre mudo que não há nada a lhe dizer
feito uma chuva maluca
enterro-me em todas as coisas do mundo
para habitar cada espaço ou tudo
onde você pretenda estar
e há pouco a se fazer quanto a isso mulher
já que o céu é maior do que todas as suas possibilidades
e tudo o que quiser ou do que tiver vontade
será sempre menor do que eu
eu sou o céu e outras coisas
sou as caixas de sapato que guardam as saudades
e as janelas imundas pelas poeiras das ruas
sou a casa onde você não está
pensei em lhe contar tudo isso
e muitas coisas elegantes ou banais
enfeitadas com flores das quais nada sei
mas devo falar sobre outras coisas