o homem da rua (aos poetas)

os braços perpendiculares
repousavam sobre os joelhos juntos
enquanto os pés sempre desnudos
lembravam dos caminhos já percorridos

ao lado um chapéu arrasado
onde uma antiga cabeça pensante
dava lugar às moedas apoucadas de valor
sem deixá-las escapar pelas feridas do tecido

assistia a pressa da vida
representada pelos sapatos um tanto ligeiros
e os homens e as gravatas
corriam enfezados pelo estreito do tempo

cabelos embolados sem jeito
combinavam com a barba cinzenta falha
e a cabeça pendia e pedia
um troco um amor ou qualquer coisa pouca assim

era um homem da rua de sorte
já que a solidão lhe podia inteira pertencer
e felizes são as pessoas sozinhas
que não esperam nem recíprocas nem alguém de volta

o grosso dos pés impedia
que sentisse a chuva no chão
e o macio da grama
e os espinhos que a gente sempre pisa pela vida

o grosso das mãos impedia
que sentisse os cumprimentos raros
e as cordas do violão emburrado num canto
e os pêlos do cão fiel a sua pobreza

mas sentir era uma extravagância que não lhe cabia
e as felicidades todas que moram em casas
não eram nunca expulsas
para fazerem morada junto dele

não vale de nada sentir então
coisa nenhuma se não a felicidade
já que todas os demais sentimentos morrem
onde as tristezas são feitas para sempre

e a sujeira toda guardava
um rosto maltratado e encolhido
nem se percebia o verde dos olhos
e nem lhe cuspia um sorriso

era um homem da rua feito um passado
irrecuperável e antigo apesar das lembranças
permanece esquecido junto aos restos
das poeiras que o tempo faz a gente ser

um homem esmoleiro e pobre
como cada um de nós tende a ser logo
isolados pelos sapatos ligeiros
que nos misturam as poeiras que a vida faz da gente

somos todos homens da rua
pedintes por amores trocados
poeiras poetas pormenorizados
donos de toda a solidão