espere anoitecer
que há meias nas lareiras
e pessoas inteiras
esbanjadas nas salas
as cordas luminosas
que abraçam árvores carregadas
iluminam ao seu tempo
os presentes e as ausências
com palavras emboladas
e caixas enlaçadas
as pessoas deixam escapulir verdades
e saudades que demoraram dizer
há sapatos melhores
bonecas de pano perfumes
e algumas palavras verves
deitadas num cartão guardado
uma noite com muita culpa
que exige mais indulgências do que aplausos
e os presentes argumentam sempre
sobre os erros e as saudades caladas
mas conte isso ao menino
que com as mãos dormentes sob as pernas
aguarda sua vez de ser feliz
esperando que se cumpra seu cartão desajeitado
conte para ele de mansinho
que ninguém se vê mais até o próximo natal
para que ele não perceba de súbito
que há fim até mesmo para esta noite
espere enoitecer
que há cheiros e coisas de beber
e há fomes que não se cumprem
quando pinta o nome de alguém ausente
a saudade é uma dessas coisas
que presente algum compensa
já que não se guardam nas despensas ou nas cozinhas
pessoas que substituem outras
mas não deixa de ser uma noite brilhante
com velas como sentinelas nas estantes
aconchegando a reunião daquela gente
que porventura é igual
as coisas que moram nas sacolas
e nas caixas e nos cartões
abarrotam os espaços criados
pelas coisas que nos esburacam pela vida
mas não são capazes de tudo
uma vez que não se encaixam de modo algum
nos lugares mais zelados
onde moram as coisas de sentir
e como é que faz para suprir
as necessidades que não constam nos cartões
sobre as quais as pessoas deveriam saber tudo
mas não sabem nunca
não deve ser com flores que perfumam
nem com roupas que vestem
às vezes um bom presente deve ser
só o fato de alguém permanecer