o filho da estrela

foi filho um pouquinho só
e a mãe foi logo aos céus
ser anjo ou estrela
era o que lhe diziam a parentalha

era eu insuficiente demais
por isso ela achara melhor subir
e cuidar das crianças mais completas
que formam as estrelas menores

pensava nisso bem calado
com as mãos sob as pernas franzinas
batendo levemente os lábios róseos
e as laterais dos pés meninos ainda

aquelas gentes em um círculo torto
falavam baixinho coisas estranhas
sobre os móveis da sala pequena
e sobre as roupas das gavetas da cômoda

já ele bem desajeitado e pálido
queria saber a quem perguntaria agora
sobre as coisas da escola
e sobre os barulhos da noite quando venta

aliás há os laços nos sapatos
e os banhos obrigados
e os perfumes da janta
e o amor de mãe

pensava numa máquina de fazer mães
que não podiam vir senão de fábricas
daquelas grandes o bastante
para caber todas as mães do mundo

viu-se aborrecido de súbito ao lembrar
que nunca abraçara a mãe por completo
pois seus braços curtos sempre paravam na cintura
daquela cuidadora que não pôde espera-los esticar

queria que as crianças do céu
que formam as estrelas menores
tivessem braços agigantados
para dar à mãe os abraços que ele não foi capaz

tinha raiva das águas bravas das chuvas
de que pingassem para incomodar a mãe
que dormia para sempre em silêncio
abaixo de onde ele se ajoelhava às vezes

sempre guardava umas poucas lágrimas
para depositá-las nas terras da mãe
e se esforçava sempre para não gastá-las todas
nos travesseiros e nos pulsos sempre afogados por suas saudades

queria saber se as estrelas tinham boa memória
e se a mãe lembraria dele portanto
mesmo sendo ele um filho tão breve
mesmo sendo tão insuficiente

e foi se deitar cedo desconfiado
de que as histórias para antes de dormir
estavam todas mudas para sempre
e de que ninguém mais lhe subiria as cobertas para o frio

deita pequeno
que as estrelas estão longe mas brilham
deixa filho
que a mãe já vem