descalço

portanto vazio
do que era desimportante
suscetível a inundações
do que não bastava ser só para completude

fez das tralhas da alma
penduricalhos mágicos
que ornamentaram salas
e malas de partir

desamparado e alvo
mudo das mãos
surdo pros nãos
assentiu

feito para estar do outro lado
alvo eu já disse
e imprestável
para saber ser só gente

feito das páginas lidas
e das ideias esquecidas
fraco
era de papel

era de sentir as coisas
e deitava na grama
e queimava na chama
para não se apagar

guardava flores
balanços e abraços emendados
como colchas de retalho
feitas de gentes a abraçar

descalço
entregue
descortinado
avulso dos medos

beirava tudo
para não invadir almas
para não invadir casas
para não ser de morar

desguardado e bastante
ofereceu-se descalço
ao afago constante
da vida insistente em espinhar

mas era dos cortes
que brotava o forte e pleno
desejo de não pertencer
a solidão dos sapatos