menina do nada

passado o morno do banho
largou-se espatifada à cama
onde recorria ao conforto dos travesseiros
e lamentava o outro lado sozinho

aquela moça destrambelhada
sentia como se os amores todos lhe doessem no peito
amores apertados em um só coração
latejando e estalando saudades

sem pregar os olhos que clamavam por sono
arquitetava as coisas de morrer
mas era estúpida demais para as certezas
que a abandonavam de bom grado a cada instante

pensava nos altos a pular
e nas coisas de corte para ferir-se bem fundo
ou comidas enganadas para os bichos maus
mas nada lhe serviria na ausência de valentia

a pujança da vida intermediava as maluquices
da moça covarde que espraguejava sonolenta
fazendo dos pensamentos maus e bons
companheiros sofridos da mesma cabeça caduca

eram já duas ou três
bem tarde para se pensar com alguma responsabilidade
e o relógio massacrado por tantos tapas matinais
cumpria bem o seu papel de acusar o avanço do tempo

foi quando então as metades dos olhos
conquistaram o encontro para os sonos atrasados
tentando com algum sucesso
dar descanso àquela alma perdida

e dos planos todos arquitetados
para fazer dela só uma lembrança
não restaram muitos após o sol nascido de pouco
lembrá-la de que ela ainda era alguém para alguém

e lá ia o relógio apanhar outra vez
como se tivesse culpa de despertá-la para o mundo
aquela menina tola e sem nenhum juízo
já sem sorriso algum para gastar

noite dessas findou
e a lateral da cama não se ocupa mais
e o relógio não apanha mais
e os sorrisos não são mais necessários

fez como quis
e dormiu o sono mais eterno
não era ausência para ninguém
pois não era mais alguém para alguém