o descanso da saudade

chegou bem à noitinha
deixando escorregar pelas costas
o casaco ensopado pela chuva
e a sombrinha posta num canto qualquer

pousou as chaves na mesa
deu sossego para a bolsa repleta
descalçou os pés cansados
e sorriu aliviada

a sussurrar tão doce
avisou-me que chegou bem
como se não me doesse a sua falta
como se eu não a esperasse para sempre

tens um jeito tão delicado
que me sinto esculpir-te a cada toque
e tenho medo demasiado
de falhar seus contornos de perfeição

se aquiete nas águas mornas
que já logo há jantar
demora nada me apronto inteiro
para lhe ser metade

deixe os cabelos úmidos
que sortidos são bem melhores
e o moletom e a malha e o amor
que fique tudo o que lhe acalma

se arrisque aos lençóis azuis
que me lanço de igual
onde olhares deitados e juntos
são frontais ao que lhe sinto

é que tens sorrisos frescos
que fazem das horas água
a escapulir por entre os dedos
das noites inteiras contigo

queria eu ter a vida toda
feita das suas chegadas
dos sons das chaves na mesa e dos sorrisos
que se esquecem de brilhar quando os olhos apagam

durma
que a minha saudade
anseia
descansar