estava a pensar
que tinha um bocado de passado
e que vira todas as coisas do mundo
até as mais indelicadas
o homem mais velho do mundo pensava
que a vida toda caberia num pote
pois é feita inteira de miudezas
e com jeito cabe apertada num vidro decorado
e se lhe perguntassem algo assim
onde então ficariam as grandezas da vida
ele diria que estão cá fora
pois as grandezas da vida não são de guardar para nada
o homem mais velho do mundo sabia bem
que os dentes abandonam os homens todos
mas os sorrisos podem ficar
já que os dentes só ornamentam os semblantes mais verdadeiros
balançando numa cadeira caduca
o velho homem cheirava os ventos
e logo sabia se vinha pé d’água algum
para molhar os homens-raiz que dormem abaixo do chão
olhava dos muros médios
com os cotovelos esbarrados
a gente toda a vagar pela vida
crianças descalças homens velozes mulheres gentis
o homem mais velho do mundo entendia
que a vida de moço carecia de muita sorte
já que as idades avançadas derivam
de todas as mágoas e coisas feitas na vida moça
deitava lá pelas três
com um medo danado dos olhos calarem
e se recusarem de vez a enxergar
aquelas coisas miúdas que só a vida possui
olhava o seu pote de vidro decorado
e via quase espaço nenhum
entre lembranças e amores falhados
não deveria caber quase nada mais
e se lhe perguntassem algo assim
o que é que falta caber no seu pote da vida
ele diria que muito pouco ou um quase nada
faltava só saber porque os amores todos vão embora
o homem mais velho do mundo
que tinha um bocado de passado e futuro algum
e que vira todas as coisas do mundo
não sabia que os amores todos não se guardam
numa tarde morna sonhou demasiado
e acordou cismado que o amor era livre
e que amor nenhum vai embora
pensou que o amor é uma das grandezas da vida
olhou para o seu pote da vida e o viu completo
sabia de todas as coisas da vida agora
o homem mais velho do mundo entendeu
que o amor era grande demais para caber num pote de vidro decorado
e se lhe perguntassem agora algo assim
onde então ficariam os amores todos
ele diria que estão cá fora
pois as grandezas da vida não são de guardar para nada