preto e branco

as mãos apoiavam piedosas
o queixo fino em barba rala
enquanto os lábios moviam-se lentos
sussurrando uma canção vazia

aquele moço apoiado à cadeira
tinha as pernas trançadas
e os calcanhares em círculos
dançando uma canção vazia

lembrava da moça antiga
que inaugurara as desventuras de seu peito
e de como as forças vacilavam
quando ela sorria desajeitada

muito se passara daquele tempo
onde olhos valiam mais que pernas
e muito se enamorava antes
de despir os corpos apaixonados

a essa altura
os cotovelos doíam
as costas doíam
o coração doía

tinha a respiração morosa
e os olhos fechavam arrastados
muito do que se via era sombra
ou pequenos pedaços de passado

vá se deitar homem-saudade
que se perdes a cor
deixas de ser aquarela
deixas de ser um bocado feliz

e caminhava cambaleando sozinho
pelas vielas imundas das lembranças
daquela moça antiga
que fez preto e branco de seu coração