ficava toda guardada
morava numa caixa de música
só prestava um movimento
e logo era recolhida para ser só
uma boca violeta
feito quando o frio bate
e empurra casa adentro
toda intenção de fuga
unhas esfoladas
magoadas pelos dentes
que desaprenderam sobre sorrir
e só sabem cair aos poucos
era companhia para as meias dos pés
para as meias palavras
meias pessoas
essas coisas-metade
expressão pálida
os olhos curvos emudecidos
bem calados que só vendo
como aqueles silêncios que guardam os mortos
era pra ser espevitada
ou serena ou mandona
ou uma coisa assim das gentes grandes
e não acabrunhada com essa feiura
era pra ser preferida
ou disputada ou rainha dos reis meninos
ou deveria ouvir um daqueles sinos
que soam quando há amor real
mas era uma graça quando vinha dançar
com aqueles rodopios marcados
e um vestido descascado
mastigado pelo tempo
embora a feiura lhe pertencesse
era mais bonita que borboleta
imaculada descascada plena
livre para ser sempre a mesma
a beleza anda sempre disfarçada
com unhas esfoladas e boca violeta
enclausurada numa caixa de música
guardada com as maiores riquezas