vida

desmerecida a vida inteira
com as crianças rodeando
sua saia imunda
e suas pernas-vareta

febril e suja
mãe
desgarrada das bonitezas
mas não das virtudes

no barraco
buracos e muvuca
e afetos contorcidos
para caberem todos

e os dentes fujões
e os maridos joões
que abandonaram a mãe
na penumbra da vida

e há moleques
e há vestes dadas dos outros
e chinelas com arame
e o vexame na escola

e há sinais
e algo mais que não vem
e a chuva peneirada de tão fina
dá um banho naquelas mãos emporcalhadas

foi pedir vintém
não tinha tô sem
foi pedir amor
não tinha ninguém tem

moldada pelas tristezas
nobreza é não chorar
ser valente e não equivalente
que equivale a ser nada

e moedas poucas
não fazem de ninguém pobre ela sabia
já que se formassem sozinhas as riquezas
em bolsos furados não ficavam

e a vida tem bolsos furados aos montes
admite só mãos esvaziadas
pessoas esvaziadas
a vida não sabe ser pobre